NãO, BEBER UMA TAçA DE VINHO TODOS OS DIAS NãO FAZ BEM

Um dos supostos fatos científicos mais valorizados pelo senso comum é a de que ingerir bebidas alcoólicas regularmente, com moderação, faz mais bem para a saúde do que nunca beber – aquela história dos supostos benefícios de beber uma taça de vinho por dia... Por décadas, estudos parecem validar a ideia. Agora, um novo artigo analisando toda essa bibliografia ousa discordar.

A pesquisa, publicada na revista científica Journal of Studies on Alcohol and Drugs, foi realizada por pesquisadores do Instituto Canadense para Pesquisa do Uso de Substâncias, da Universidade de Victoria, no Canadá. Eles analisaram 107 estudos publicados que tratavam da relação entre os hábitos de consumo de álcool e a longevidade.

Esses estudos observacionais foram conduzidos durante décadas, concluindo que “consumidores moderados tinham taxas menores de certas doenças (como doença arterial coronariana) e vidas mais longas quando comparados aos abstêmios [quem não bebe nunca ou quase nunca]”, explica o pesquisador James Clay, coautor do estudo.

O “paradoxo francês” ajudou a consolidar a ideia de que beber moderadamente é melhor do que não beber. A França tem taxas mais baixas de doenças cardíacas, apesar da dieta alta em gorduras, possivelmente por causa do consumo regular de vinho, segundo essa ideia.

Mas a história não é tão simples assim. Clay explica que todas essas supostas descobertas, agora, estão passando pelo escrutínio científico por causa de defeitos metodológicos em como os estudos foram feitos.

Problemas de design

Vieses ao selecionar os participantes, erros na classificação de quem é abstêmio e quem não é, confusão de fatores de saúde– tudo isso foi encontrado numa análise dos estudos que mostravam as vantagens do consumo regular de álcool.

[Queríamos] revisar sistematicamente e meta-analisar a literatura científica existente”, explica Clay. Traduzindo: a equipe compilou e combinou os resultados de vários estudos sobre o mesmo tópico. Foi assim que o grupo de pesquisadores percebeu que os estudos que ligavam beber a benefícios de saúde tinham sérios problemas de planejamento.

O método científico existe justamente para garantir confiabilidade e estrutura ao conhecimento produzido pelos cientistas. Uma parte importante disso é que novos experimentos, seguindo as regras, podem mostrar que ideias passadas são falsas. O filósofo da ciência Karl Popper chamou isso de falseabilidade: as ideias científicas podem ser provadas como falsas.

“Um estudo bem desenhado minimiza vieses, mede variáveis com precisão e apropriadamente controla fatores que podem confundir. Isso permite resultados mais precisos e mais generalizáveis”, explica Clay. O problema com os estudos que mostravam os benefícios do álcool era que eles não eram maravilhas em termos de design e projeto, levando a “conclusões errôneas” que agora foram mostradas falsas pelo estudo canadense.

Não dá para comparar

O principal problema de projeto com a maioria desses estudos era que eles normalmente focavam em adultos mais velhos, sem levar em conta os hábitos de bebedeira dessas pessoas no decorrer da vida.

Consumidores moderados foram comparados a adultos abstêmios que só viraram abstêmios porque tiveram que parar ou diminuir a ingestão de álcool exatamente porque desenvolveram problemas de saúde. Comparando-os com quem só continuou a beber porque sempre bebeu pouco, os consumidores regulares ficam parecendo muito mais saudáveis, obviamente.

Assim, a análise abrangente de todos os estudos mostrava que os consumidores moderados de álcool tinham um risco 14% menor de morrer durante o período do estudo do que os “abstêmios”.

Agora, em estudos que não consideravam pessoas que bebiam antes como abstêmios e que contaram com a participação de pessoas mais jovens, os benefícios do álcool para uma vida mais longa desapareciam.

Os estudos de mais qualidade científica, então, não mostravam nenhuma relação entre consumo moderado de álcool e uma vida mais longa.

E é importante lembrar que não dá para beber sem risco. O consumo de álcool pode estar associado a aumento no risco de câncer, doença no fígado, problemas psiquiátricos e dependência química.

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