GOVERNO E BANCADA FEMININA DA CâMARA TENTAM APROVAR POLíTICA NACIONAL DE CUIDADOS

O governo federal, em conjunto com a bancada feminina da Câmara dos Deputados, vem se articulando para aprovar a Política Nacional de Cuidados até junho deste ano, antes do recesso parlamentar. Fontes do governo afirmaram à Agência Pública que a proposta de projeto de lei elaborada pelo Executivo será enviada ao Congresso Nacional até o final de maio.

A proposta de Política Nacional de Cuidados vem sendo discutida formalmente pelo Executivo há cerca de um ano, quando, por meio de decreto presidencial, foi instituído um grupo de trabalho envolvendo 17 ministérios e entidades como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A demanda por um marco legal de cuidados é exigência antiga de movimentos da sociedade civil, que defendem a instituição da política como fundamental para a superação de desigualdades sociais.

Do lado do Legislativo, deputadas iniciaram um esforço concentrado para tentar colocar em pauta a votação de projetos sobre o tema. A articulação envolve muitas comissões, como a de Seguridade, a de Saúde, a da Mulher, a de Direitos Humanos e de Relações Exteriores – já que algumas normas convergem com tratados internacionais.

Um levantamento preliminar feito no Sistema de Informação Legislativa da Câmara dos Deputados, ao qual a Pública teve acesso, localizou 123 projetos relacionados à questão do cuidado tramitando no Congresso. As propostas abordam desde saúde mental da pessoa idosa e seus cuidadores a licenças parentais e são de autoria de parlamentares de campos políticos diversos.

A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP), relatora do grupo de trabalho que organiza essas ações sobre o assunto na Câmara, defendeu que o Estado e a sociedade devem reconhecer o cuidado como responsabilidade global. “O cuidado precisa ser reconhecido primeiro como um trabalho e ser reduzido do ponto de vista da demanda e sobrecarga na esfera privada. A gente até tem políticas que são pontuais, mas nunca é pensado de forma global.”

Economia do cuidado tem peso maior que agro e construção civil

A chamada “economia do cuidado” abrange ocupações com serviços domésticos, assistência social, educação, saúde e higiene, entre outras. Um estudo realizado por pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV) concluiu que profissões relacionadas ao trabalho de cuidado representam 13% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro. O mesmo estudo apontou também que 65% desse trabalho é realizado por mulheres. 

“Não existe naturalidade, natureza nenhuma feminina que justifique isso”, alerta Bomfim. “É o machismo, a divisão sexual do trabalho que nos coloca nessa lógica do cuidado ser um fardo e não um direito, ou uma possibilidade. E essa discussão envolve uma disputa de concepção moral e política sobre o que é ser mulher na nossa sociedade. A extrema direita, por exemplo, principalmente aquela que se organiza nas igrejas evangélicas, trabalha muito com o tema porque ele é muito concreto na vida material cotidiana das famílias, por isso é tão importante que exista uma política de Estado”, concluiu.

No seminário “Cuidado como trabalho, cuidado como direito”, realizado no dia 9 de abril pela Secretaria da Mulher, movimentos e entidades salientaram a invisibilidade, desvalorização e superexploração desse tipo de trabalho. É o caso de Lúcia Helena Conceição de Souza, 65, líder da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad). Como trabalhadora doméstica, ela acumulou diversas experiências negativas. 

Assédios, ausência de remuneração e até alimentação escassa durante o expediente fizeram parte da sua vida profissional até os 22 anos, quando sua história começou a mudar. “Trabalhei onde não tinha comida, sofria assédio e, depois de muito tempo, conheci a associação de trabalhadores domésticos e comecei a entender sobre os meus direitos, cobrar por eles”, recorda.

Ela afirma que é comum a federação receber denúncias de casos de pessoas, principalmente em cidades do interior do país, que não são remuneradas por exercer profissões relacionadas a cuidados e que muitos profissionais passam anos sem saber que teriam esse direito.

“Uma vez fui trabalhar em um condomínio e comecei a falar com as trabalhadoras domésticas e cuidadoras de lá. Nós fazíamos reuniões para conversar sobre os nossos direitos e o patrão na sala, vendo TV, diminuía o volume para tentar escutar o que a gente tava falando”, lembra Souza.

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